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O estudo revela disparidades entre a atenção científica, a densidade de políticas e as emissões, destacando a necessidade urgente de políticas climáticas eficazes.
O artigo “Machine learning map of climate policy literature reveals disparities between scientific attention, policy density, and emissions,” publicado na npj Climate Action, explora uma abordagem inovadora para analisar a vasta e dispersa literatura científica sobre políticas climáticas. Utilizando técnicas de aprendizado de máquina (machine learning), os autores criaram um mapa sistemático “vivo” da pesquisa em políticas climáticas, com o objetivo de identificar lacunas de conhecimento, clusters de pesquisa e áreas onde a atenção científica não corresponde à densidade de políticas implementadas ou às emissões de gases de efeito estufa (GEE). A relevância deste estudo reside na urgência de acelerar a mitigação das mudanças climáticas, tornando o aprendizado sobre políticas climáticas mais eficiente e direcionado.
O Acordo de Paris, um marco histórico na luta contra as mudanças climáticas, estabeleceu o objetivo de manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, e de envidar esforços para limitar o aumento a 1.5°C. No entanto, as políticas de mitigação em vigor são insuficientes para alcançar esta meta ambiciosa. As emissões globais de carbono continuam a aumentar, apesar da necessidade de atingir emissões líquidas zero nas próximas décadas. Para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, os países precisam aumentar significativamente a ambição de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e superar a lacuna de implementação entre as promessas e as políticas atuais.
A janela de oportunidade para ação climática está se fechando rapidamente. Atingir emissões líquidas zero até meados do século exige um aprendizado acelerado sobre quais instrumentos de política funcionam em quais contextos. Embora as políticas atuais sejam insuficientes, milhares de medidas foram implementadas em diversos setores e regiões, com exemplos limitados de redução de emissões em algumas jurisdições. Um número crescente de estudos demonstra que a quantidade de políticas implementadas por um país está associada a reduções mais significativas nas emissões. Diversas bases de dados reúnem informações sobre essas políticas, representando um valioso recurso para o aprendizado e a replicação de estratégias eficazes.
Além das políticas implementadas, existe uma vasta literatura científica sobre instrumentos de política climática, que inclui avaliações ex post de políticas já implementadas e estudos ex ante sobre o potencial de diferentes instrumentos para reduzir as emissões. Ambas as vertentes são cruciais para um aprendizado eficaz. No entanto, os esforços para sistematizar essa literatura têm sido limitados em escopo, cobertura de instrumentos ou resultados estudados. Os principais desafios incluem a dificuldade em definir limites de sistema para políticas relevantes para o clima e a falta de tipologias consistentes e abrangentes de políticas climáticas.
A imensa quantidade de literatura sobre políticas climáticas, dispersa em diversas comunidades científicas e abrangendo diferentes setores, tipos de instrumentos e estruturas de análise, torna a síntese de evidências em larga escala particularmente desafiadora. Dada a escala e diversidade da pesquisa, é cada vez mais difícil para os cientistas se manterem atualizados sobre os desenvolvimentos em seus próprios campos. Esse também é um desafio para as avaliações científicas realizadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que é responsável por fornecer avaliações abrangentes da ciência das mudanças climáticas. Tecnologias digitais, aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural (PNL) representam, portanto, avenidas promissoras para tornar a tarefa do IPCC mais gerenciável e para permitir trabalhos sintéticos em grande escala nos quais o IPCC deve se basear.
O estudo em questão representa um passo crítico para acelerar o aprendizado sobre políticas climáticas, ao apresentar uma visão geral dos desenvolvimentos na área. Utilizando métodos de aprendizado de máquina de PNL, o artigo mapeia sistematicamente a literatura científica sobre políticas climáticas. Um mapa sistemático “compila, descreve e cataloga as evidências disponíveis” para “identificar evidências para questões relevantes para políticas, lacunas de conhecimento e clusters de conhecimento”. Em vez de fornecer respostas diretas sobre os efeitos das políticas climáticas, este mapa mostra o que foi estudado e onde, informando potencialmente as direções para a pesquisa primária (inclusive por meio de financiamento) e permitindo mais trabalhos de síntese de evidências, desde revisões individuais até avaliações científicas como o IPCC. Dada a dimensão da literatura, a abordagem tradicional, manual, para montar tal mapa não é viável quando se trata de áreas de pesquisa com muitos milhares de artigos.
Utilizando um conjunto de mais de 2.500 documentos codificados manualmente, os autores ajustaram o modelo de linguagem ClimateBERT para identificar o subconjunto de 84.990 estudos na literatura climática mais ampla que investiga instrumentos de política climática, categorizá-los por tipo de política e setor e determinar o tipo de análise aplicada. O pipeline de classificação automatizado permite fornecer um mapa sistemático “vivo” em apoio às atividades de pesquisa, bem como avaliações científicas neste espaço.
O primeiro passo crucial foi caracterizar o que constitui uma política climática e desenvolver uma nova tipologia de instrumentos de política climática, abordando inconsistências e lacunas nos esquemas existentes. Isso permitiu operacionalizar uma definição de política climática que foi utilizada para codificar manualmente os estudos e treinar um modelo de aprendizado de máquina para identificar e categorizar a literatura mais ampla relevante para políticas climáticas.
Para estabelecer limites claros de sistema, os autores incluíram políticas apenas quando as reduções de emissões eram mencionadas ou quando uma política era inequivocamente motivada pelo desejo de reduzir as emissões de GEE ou as concentrações de GEE. Isso ocorre quando uma política tem como alvo direto os GEEs, como com um imposto sobre o carbono ou um padrão de emissões de GEE (ver Métodos para mais discussão). Como tal, um artigo sobre subsídios para tecnologias de energia renovável não seria incluído a menos que as reduções de emissões ou as metas climáticas fossem mencionadas, enquanto um artigo sobre um imposto sobre o carbono ou um sistema de comércio de emissões de GEE seria incluído. Isso ocorre porque um governo pode ter vários motivos para apoiar as tecnologias de energia renovável, como segurança energética, um desejo de se afastar do nuclear ou uma redução na poluição do ar local, enquanto a motivação climática para a precificação do carbono é inequívoca. O próprio instrumento tem como alvo explícito a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Os autores reconhecem que isso significa que muitos estudos de políticas que têm efeitos importantes na redução das emissões serão perdidos, mas escolhem uma definição que pode ser aplicada consistentemente e com ambiguidade mínima. Como não têm acesso a cada política e às motivações dos tomadores de decisão que as promulgaram, concentram-se no que o próprio estudo diz. Se um estudo analisa uma política no contexto das mudanças climáticas ou da redução de emissões, consideram-no um estudo sobre política climática. Não propõem isso como uma definição superior ou conclusiva de políticas climáticas, mas simplesmente uma que pode ser aplicada com ambiguidade mínima. Seu conjunto de dados, sobre a literatura explícita de política climática, portanto, representa apenas um subconjunto da literatura sobre políticas que são relevantes para mitigar as mudanças climáticas, mas é a maior base de dados de literatura de política climática que conhecem.
A tipologia desenvolvida pelos autores é estruturada em três níveis:
Esta tipologia foi projetada para ser abrangente e compatível com as tipologias existentes utilizadas em outras bases de dados de políticas climáticas.
A metodologia do estudo envolveu uma série de etapas:
Os resultados do estudo revelaram diversas descobertas importantes:
As descobertas do estudo têm implicações significativas para a pesquisa e a política climática. A identificação de lacunas de conhecimento, como a sub-representação da pesquisa sobre políticas no setor industrial, destaca áreas onde é necessário mais esforço. A comparação entre a atenção científica e a densidade de políticas revela potenciais descompassos entre as prioridades dos cientistas e dos formuladores de políticas.
Os autores argumentam que o mapeamento sistemático, especialmente o mapeamento sistemático assistido por computador, tem de desempenhar um papel crescente no processo científico para ajudar os investigadores, os decisores políticos e os processos de avaliação a manterem-se a par das evidências científicas a custos razoáveis. Os sucessos na automatização destes processos para mapas vivos, que poderiam manter uma imagem abrangente da literatura disponível à medida que é produzida, aumentariam ainda mais a utilidade dos esforços de mapeamento.
A disponibilização do mapa criado pelos autores como um recurso comunitário interativo e pesquisável online (https://climateliterature.org/#/project/policymap) é uma contribuição valiosa para a comunidade de pesquisa e para os formuladores de políticas. A intenção de aprimorar o valor desse recurso automatizando o processo de atualizações, tornando-o um mapa sistemático “vivo,” demonstra o compromisso dos autores em fornecer informações atualizadas e relevantes para apoiar a tomada de decisões informadas sobre políticas climáticas.
A identificação de uma potencial lacuna de síntese de evidências na literatura de instrumentos de política climática é uma descoberta importante. O preenchimento dessa lacuna de síntese de evidências apoiará o IPCC e outras avaliações climáticas e melhorará o aprendizado de políticas.
O artigo conclui enfatizando a importância de avaliações sistemáticas e abrangentes de soluções climáticas, dada a urgência de aumentar a ambição da política climática e colmatar a lacuna de implementação.
Os autores reconhecem algumas limitações do estudo, incluindo a possibilidade de erros nas previsões dos modelos de aprendizado de máquina, a definição restritiva de política climática, o foco em estudos indexados em inglês e a falta de avaliação da qualidade dos estudos. Apesar dessas limitações, os autores argumentam que o mapa é tão abrangente quanto possível e que as omissões ou diferenças na qualidade dos artigos não são sistemáticas, de forma que as principais conclusões sobre a distribuição da pesquisa em política climática e como isso se relaciona com a distribuição setorial e geográfica de políticas e emissões seriam substancialmente afetadas.
A escolha de realizar a busca na literatura apenas em inglês pode ter influenciado os resultados, especialmente em relação à representação de estudos de países não anglófonos. A literatura científica em outras línguas pode conter informações valiosas sobre políticas climáticas implementadas e seus impactos em diferentes contextos.
A dependência de títulos e resumos para a triagem e codificação manual pode ter levado à exclusão de estudos que abordam políticas climáticas em detalhes no corpo do artigo, mas não mencionam esses aspectos no título ou resumo.
O estudo de Callaghan et al. representa uma contribuição significativa para o campo da pesquisa em políticas climáticas, ao demonstrar o potencial do aprendizado de máquina para mapear e analisar a vasta literatura existente. As descobertas revelam desequilíbrios importantes entre a atenção científica, a densidade de políticas e as emissões, destacando áreas onde é necessário mais esforço para acelerar a mitigação das mudanças climáticas. O mapa sistemático “vivo” criado pelos autores é um recurso valioso para a comunidade de pesquisa e para os formuladores de políticas, que pode auxiliar na tomada de decisões informadas e no desenvolvimento de políticas climáticas mais eficazes. As lacunas identificadas, como a menor atenção dada ao setor industrial e a menor análise ex post de instrumentos econômicos, são importantes indicações de onde a pesquisa deve ser direcionada. Apesar de suas limitações, este estudo representa um avanço importante no sentido de tornar o aprendizado sobre políticas climáticas mais eficiente e direcionado, impulsionando a ação climática necessária para enfrentar os desafios das mudanças climáticas.